O nenê para de chorar. Dorme. E eu olho pela janela. Estufa de gente. Lugar feio, sem árvores, sem um rio que mereça o nome de rio. Minha cidade sem horizonte, feita somente de objetos de uso, tua lei é a utilidade, a economia das coisas. Aqui dentro, ali fora, lá embaixo, quase tudo um utensílio. Carro, prédio, sinaleiro, outdoor. Placa de trânsito, antena de celular. Sei que é a ladainha da moda, o choro da mídia, mas hoje sou um homem do meu tempo. Sabedor de gírias, amante dos clichês. Integrado e objetivo. Com meu primogênito no colo, três vezes maior que um charuto grande, o moinho do meu sossego, frágil gerador da energia que me resta.
Converso com ele.
Quando tudo for utensílio, digo, o próprio homem será apenas um enfeite no mundo. Seu último adorno desnecessário. Uma espécie ornamental de macaco.
Ele reage mal, acorda.
Duvida, meu filho? Ontem mesmo, na internet, vi a foto de uma múmia de bugio asteca. E ela era a tua cara. Péssimo, não? A múmia me lembrou você. Paramentada para a morte.
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